Processo Nº 279.01.2010.003781-9
Condenação César Perúcio, Prefeito de Itararé, do DEMO
Texto integral da Sentença
Vistos. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO move Ação de Improbidade Administrativa em face de LUIZ CESAR PERÚCIO, GRAZIEL PROENÇA DE OLIVEIRA ME e GRAZIELA PROENÇA DE OLIVEIRA na qual alega que Luiz, prefeito municipal de Itararé, estaria a realizar sistematicamente compras destinadas às Secretarias de Educação e de Assistência Social diretamente da empresa de Graziela, sem procedimento licitatório, em valores superiores aos de limite de dispensa, por vezes através de fracionamento de compra, em quantidade de bens muito superior à necessária, em períodos atípicos. Adiciona que Graziela apenas veio a regularizar seus registros empresariais após os fatos, com a intenção de aparentar legítima sua atividade, quando na verdade sequer possui estabelecimento empresarial instalado nos locais declarados ao poder público ; ressalta que as notas-fiscais extraídas à Prefeitura são praticamente seqüenciais ; conclui que Graziela dirige uma empresa de fachada, que serve a praticar atos de improbidade. Sustenta que Luiz montou na prefeitura uma organização criminosa destinada ao desvio ilegal de recursos públicos, trazendo uma situação de calamidade à cidade, e que está a responder por diversos outros atos de improbidade. Por fim, requer sejam os requeridos condenados às penas previstas na Lei de Improbidade, e, em tutela de urgência, a indisponibilidade de seus bens até o valor das notas-fiscais juntadas (R$.185.638,21), bem como o afastamento de Luiz de seu cargo, haja vista que tudo indica que continuará a fraudar o erário, impondo pesados prejuízos à coisa pública, e que prejudicará a instrução. Deferida cautelarmente a indisponibilidade dos bens dos réus (fls. 93/98), houve aditamento da inicial (fls. 107/109), na qual o Ministério Público descreve outras condutas pelas quais o réu Luiz também estaria a responder por ações de improbidade. O aditamento foi recebido (fls. 198). Os réus foram notificados (fls. 234 e 432) e apresentaram defesa preliminar (fls. 246/249 e 434/438). Luiz alega que o município realizou compras de materiais escolares em março de 2009, após regulares procedimentos de licitação na modalidade pregão presencial (n° 22/09 e 23/09); ocorre que, em razão de diversos dos bens apresentados pelos vendedores terem sido “reprovados”, não restou outra alternativa senão autorizar a compra emergencial dos bens faltantes, após pesquisa de preços junto a três empresas, haja vista ser imprescindível para a manutenção do ensino nas escolas locais; diz que a quantidade dos bens comprados se adequa à necessidade da administração, pois aqueles serão utilizados nos anos letivos posteriores. Graziela, por sua vez, adiciona que não se extrapolou o limite de valor previsto em lei; que encontrava-se, à época da contratação, regularmente instalada em Itapeva; que a extração ao município de notas-fiscais em série não importa ilegalidade; que não lhe cabe verificar se a compra era necessária ou adequada ao município. Sobreveio manifestação do autor (fls. 462/463). A ação foi recebida (fls. 464), e os réus foram citados (fls. 471 e 473), apresentando contestação (475/479 e 481/500), na qual repetem os argumentos de sua defesa preliminar. Luiz adiciona ainda que a via eleita é inadequada, haja vista que apenas através de ação popular podem ser invalidados contratos administrativos lesivos ao patrimônio público, e o Ministério Público não tem legitimidade para a propositura de ação que objetive o ressarcimento de danos ao erário municipal; que o foro competente para o julgamento de prefeitos e ex-prefeitos é o Tribunal de Justiça; que a inicial é inepta, e houve cerceamento de seu direito de defesa no curso do inquérito civil; que a lei de improbidade não pode ser aplicada a servidor municipal; que não tem obrigação de verificar se seus fornecedores estão regularmente instalados; que o prefeito não tem responsabilidade pela contratação. Réplica às fls. 502/506. É o relatório. Trata-se de ação civil pública contra prefeito e particular, com fundamento em enriquecimento ilícito, prejuízo ao Erário e atentado aos princípios da administração pública. A inicial narra adequadamente os fatos, nos quais se fundamentam os pedidos, de modo que se afasta a alegação de inépcia da inicial. A ação por ato de improbidade é de natureza civil, pelo que não se lhe aplica o artigo 29, inciso X, da Constituição Federal e o artigo 84 e §§ do Código de Processo Penal (redação da Lei nº 10.628, de 2002), pois ambos são destinados às ações penais (TJSP, Ap. Civ. 271.281- 5/7 – j. 23/12/2004, LEX - TJ-SP - 2005 - Volume 288 - Página 70). Ademais, a competência dos Tribunais Superiores somente pode ser fixada pela Constituição Federal (artigo 102 e 104 CF), e a dos Tribunais de Justiça pelas Constituições Estaduais (artigo 125 § 1° CF), sendo inconstitucional lei federal que disponha sobre a competência dos Tribunais de Justiça (TJSP – Incidente de Inconstitucionalidade de lei n° 110.487.0/9.00 – Lex TJSP 282/465). A lei de improbidade é aplicável a agentes políticos, e mesmo a ex-autoridades (STF, Plenário, Adin 2797-2/DF, j. 15/09/05). A ação civil pública é apta ao fim perseguido na inicial, ou seja, a apenação ao agente que praticou ato de improbidade, embora a pena importe também o ressarcimento do dano, e o Ministério Público tem legitimidade para a propositura de tal ação, sendo desnecessária a inclusão do Município na relação processual (TJSP - Apelação Cível n. 345.628-5/0 - 12ª Câmara de Direito Público – Relator: Venício Salles – 25.6.2008 – v.u; Ap. Civ. n. 562.090-5/7-00 9ª Câmara de Direito Público – Relator: Sérgio Gomes – 19.08.09 – v.u.). A falta de oitiva dos requeridos na fase de inquérito civil não acarreta cerceamento do direito de defesa: o momento adequado ao desenvolvimento pleno da defesa é a fase judicial. O inquérito serve apenas à formação da convicção do promotor de justiça, que decidirá pela propositura da ação ou arquivamento do processado. A lei de improbidade tem alcance nacional, e não federal, de modo que é aplicável às três esferas de governo. Como já apontado anteriormente (fls. 93/98), Graziela Proença de Oliveira ME e Graziela Proença de Oliveira são uma mesma pessoa: Graziela é empresária individual, não havendo diversidade de pessoas (física e jurídica) entre ela e seu empreendimento. No que toca à produção de provas, o autor pediu o julgamento antecipado da lide (fls. 515); o réu Luiz não justificou tal qual determinado (fls. 507), seu pedido, que foi genérico (fls. 510), pelo que deve ser indeferido. Quanto à ré Graziela, pretendia a prova de fato impertinente (a entrega da mercadoria, que é fato incontroverso); a juntada de documentos, cuja oportunidade já lhe precluiu (artigo 396 CPC); a expedição de ofícios a órgãos públicos para prova de sua habilitação técnica, prova esta que cabia a ela própria, pois é o próprio licitante quem possui os documentos necessários a tal (conforme ensina Hely Lopes Meirelles, a capacidade técnica genérica se faz através do registro profissional ; a específica, por atestado de desempenho anterior e pela existência de aparelhamento e pessoal adequados para a execução do objeto da licitação ; a operativa pela demonstração da disponibilidade dos recursos materiais e humanos necessários à execução – Dir. Administrativo Brasileiro, pg. 279, 25 ed) ; a prova de que não era uma “empresa fantasma”, o que é impertinente. De qualquer forma, era desnecessária a produção de outras provas além daquelas já existentes nos autos para a solução da lide, como adiante se fundamentará, pelo que se passa diretamente ao julgamento do feito. No mérito, a alegação de que a contratação em regime de urgência do material escolar era justificável deve ser afastada. Com efeito, tendo o município optado por licitar a compra através do sistema de pregão presencial, após o início do ano letivo (em março de 2009), não é aceitável a alegação de que era imprevisível que diversos bens comprados poderiam ser rejeitados pelo município por algum vício, que sequer foi indicado (fls. 257/418). Assim, a dispensa de licitação com base no artigo 24, inciso IV da lei não pode ser admitida, pois é regular e constante a necessidade da compra de materiais escolares ao ensino fundamental público pelo município. Ademais, como os próprios réus admitem, foram comprados bens em quantidade muito superior à necessária a atender a alegada situação emergencial, considerada assim aquela existente desde sua suposta eclosão até o limite de 180 dias subseqüentes (artigo 24, inciso IV da lei). Por fim, verifica-se terem sido comprados da ré Graziela bens que sequer constavam na relação daqueles solicitados em urgência pelo secretário municipal de educação (fls. 383/388): armários de aço, rádios toca-cd’s, aparelho dvd (fls. 60), espelhos (fls. 61), ventiladores e fogões (fls. 62), etc. Em suma: através de um procedimento viciado, sem qualquer publicidade prévia e atual (a publicação de fls. 418, relacionada à existência do contrato já executado, não tem qualquer valor jurídico), o réu Luiz autorizou (fls. 401) a compra de bens em volume e espécie desnecessários junto à ré Graziela. Em conseqüência, Graziela extraiu diversas notas-fiscais de venda de bens escolares ao município: a) no dia 22/07/09, foram extraídas as NF´s n° 02, 04 e 05, nos valores respectivos de R$.12.123,39, R$.15.125,02 e R$.3.112,00 (fls. 60/62) ; em 15/09/09, a NF n° 06, de R$.18.918,00 (fls. 64) ; em 21/09/09, as NF’s n° 07 e 14, respectivamente de R$.24.057,00 e R$.31.851,00 (fls. 66 e 68) ; em 22/09/09, as NF’s n° 11, 12 e 13, respectivamente de R$.65.400,00, R$.10.866,80 e R$.4.185,00 (fls. 70, 72 e 74). O réu Luiz autorizou os pagamentos relativos a tais compras (notas de empenho de fls. 15/74), de modo que a alegação de que não pode ser responsabilizado deve ser afastada: pouco importa que os pedidos tivessem partido de seus secretários. O valor de tais compras superava em muito o limite de dispensa de licitação, de R$.8.000,00 (artigo 24, inciso II, c.c. artigo 23, inciso II, alínea “a”), e mesmo o de licitação pela modalidade convite (R$.80.000,00) : era necessário, no mínimo, que se realizasse a tomada de preços (artigo 23, inciso II, alíneas “a” e “b”). As compras feitas a Graziela foram totalmente desproporcionais às necessidades do município para o período da alegada urgência (180 dias – artigo 24, inciso IV): havendo apenas 6.470 alunos na rede de ensino municipal (fls. 84), foram compradas 120.000 borrachas, 8.000 caixas de lápis de cor (fls. 74) e 5.000 transferidores (fls. 70), e incluíram bens que sequer foram solicitados pela secretaria respectiva. Tais compras, ademais, não foram realizadas ao início do ano letivo, mas em julho e setembro, quando se presume que os alunos já dispunham de seu material escolar. Como se não bastasse, Graziela Proença de Oliveira é filha de Valdenice Aparecida Proença de Oliveira e Antonio Leuse de Oliveira (fls. 93), e domiciliada no mesmo bloco em que estabelecida a empresa da mãe (fls. 88 e 110/118), mãe esta que teve seus bens postos em indisponibilidade por força de decisão judicial que reconheceu graves indícios de concurso entre ela e o réu Luiz na dilapidação do Erário através da venda fraudulenta de bens ao município (fls. 119). Luiz, ainda, responde a diversos outros processos por atos de improbidade (fls. 107/196), em que se verifica prejuízo ao Erário municipal por atos fraudulentos. A prova é suficiente a demonstrar que Graziela, sua família e o prefeito Luiz, previamente e em unidade de desígnios, passaram a atuar ilegalmente na venda fraudulenta de bens ao município com a intenção de dilapidar recursos públicos. Com efeito, há diversos fatos que, considerados isoladamente, constituem apenas indícios, mas analisados em conjunto, importam prova robusta de fraude: a) o fornecimento de produtos pela empresa de Graziela, micro-empresária, de baixo capital (R$.6.000,0 – fls. 93) em notas-fiscais de saída de numeração seqüencial em favor do município de Itararé, não obstante o intervalo das compras ; b) o fornecimento de bens ao município de Itararé sem licitação pública, em valores elevados ; c) a decretação de indisponibilidade dos bens de sua mãe em outro processo judicial, em razão de graves indícios de ato de improbidade praticado por ela em concurso com o réu Luiz ; d) os inúmeros feitos em que o réu Luiz vem respondendo por atos de improbidade. Tal conjunto probatório demonstra claramente que a ação dos réus, além de ilícita, teve a intenção deliberada de fraudar a lei, em má-fé, com intenção de enriquecimento ilícito, configurando hipótese de improbidade administrativa por prejuízo ao Erário (em razão de compras desnecessárias), ofensa aos princípios da administração pública (em razão de ausência de prévia licitação), e enriquecimento ilícito de Graziela. Com efeito, é notório que uma das formas mais comuns de apropriação de verbas públicas se dá através do direcionamento ou dispensa ilegal de licitações, de modo que o ente público acabe por contratar pessoa já escolhida de antemão pelo agente público contratante; em tais negócios viciados, o preço é superfaturado, a quantidade dos bens adquiridos é superior à necessária, ou a qualidade dos bens é inferior à estipulada, tudo com o propósito de criar um lucro exorbitante e ilegal ao contratado, o qual, ao final, é repartido com o agente público contratante. A prova, como já ressaltado, demonstra que esse é o caso dos autos, através da compra de bens em quantidade e natureza desnecessários, sem licitação, de modo a possibilitar a Graziela enriquecimento ilícito. Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido, nos termos do artigo 269, inciso I, CPC, para condenar ambos os réus: a) solidariamente (artigo 942 e parágrafo único do Código Civil) ao ressarcimento integral do dano, no valor de R$.185.638,21, acrescido de correção monetária e juros legais a partir dos pagamentos ilegalmente efetuados a Graziela (Súmula 54 STJ); b) à perda da função pública que estiverem a exercer por ocasião do trânsito em julgado da sentença (artigo 20 caput da lei 8.429/92) ; c) à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de oito anos, a partir do trânsito em julgado da sentença (artigo 20 caput da lei 8.429/92) ; d) ao pagamento, cada qual, de multa civil no valor de R$.185.638,21, acrescido de correção monetária e juros legais a partir dos pagamentos efetuados a Graziela ; e) à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, ainda que por intermédio de pessoa jurídica de que sejam sócios majoritários, pelo prazo de dez anos. Condeno os réus ainda às custas e despesas processuais. Ainda que seja evidente que o réu Luiz esteja a utilizar reiteradamente de fraudes para dilapidar o Erário Municipal, impossível é seu afastamento cautelar do cargo de prefeito: o artigo 20, parágrafo único, da lei 8.429/92, apenas permite tal medida quando esta se fizer necessária à instrução processual, e neste caso a instrução já se findou. P.R.I. Itararé, 12 de agosto de 2011. JOÉLIS FONSECA Juiz de Direito